15.1.23

Amigo velho

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não sei se você já conseguiu descobrir sozinha, então vou te ajudar. 

aquele que é aMigo de todos não é amigo de ninguém. 

mas é engraçado dizer isso, porque, pra mim, por um tempo você foi sim. em algum lugar das trincheiras profundas do ensino fundAmental, eu encontrei uma concha enorme e brilhante, uma ametista empoeirada. alguém pra chamar de espelho, alguém pra cantar comigo depois da aula, alguém pra dividir um pacote de bala. 

em algum lugar da chuva de meteoRos dos anos seguintes, eu descobri que era você atrás de alguns dos revólveres apontados pra mim. e tudo bem, a vida às vezes é assim, uma tampa de bueiro aberta no meio da calçada. brutus. não vamos entrar nesse mérito. 

onde você escondeu o amor que sentia por mIm pra dar lugar à raiva? eu escondi o meu nas costelas. se eu apertar um pouquinho mais forte, pensar na palavra certa, ainda sinto o cheiro de massa de bolo da nossa infância. mas assim que eu tiro a mão do segundo par de ossos, o hematoma volta renovado. eu só sinto o cheiro de fumaça. 

não quero te ver nunca mais. sinto sua fAlta toda semana. espero que você entenda; você costumava entender. tenho medo de um dia o rancor que eu sinto por você me cegar e eu bater o carro numa vitrine de loja. o ódio é uma forma de manter o vínculo, eu não ganho nada com isso, eu estou bebendo esse veneno sozinha; eu sei. sei de tudo isso. ninguém precisa me dizer. 

você sabia que eu não lembro de uma única piada interna nossa? eu não Lembro do que nós costumávamos rir de madrugada -- só lembro que ríamos. não lembro de como encontrávamos o caminho de volta uma pra outra depois de todos os nossos desentendimentos -- só lembro de encontrar. dessa vez a gente foi mUito longe na floresta.

eu não curto nenhuma das suas fotos. você também não curte as minhas, mas eu duvido que seja pela mesma razão. eu não "curto" a celebração de uma vIda sua da qual eu não tenho o direito de participar. eu só tenho a vida que eu tenho agora por culpa sua. inventar uma vida nova inteira pra mim sem você foi a coisa mais humilhante pela qual eu já passei, e eu me sinto humilhada diariamente. eu tive que descobrir tudo de novo. eu consigo traçar o caminho que vai de tudo que eu tenho agora de volta até você e a faca que deixou essa cicatriZ na minha escápula. é uma boa vida. é de verdade. eu criei com as minhas próprias mãos, tijolo por tijolo, só pra mim. mas tem um buraco no meio desse castelo que eu não deixo as pessoas verem. estou deixando agora. guardo atrás de umas quarenta portas. você consegue ver? é do formato do seu rosto. 

você pensa em mim também? eu às vezes passo perto da sua cAsa. eu ainda tenho muita indignação pela vida que você escolheu. as fotos, os tons de cabelo, as ruas, a mesmice. me dá dor de estômago te imaginar exatamente onde eu te deixei. eu sei que nada disso importa nem um pouco. você escolheu os solos inférteis, as cercas, as gaiolas. de alguns jeitos, eu também, mas as minhas são pelo menos diferentes das suas. 

eu não gosto da ideia de dividir waffles com mais ninguém. nunca encontrei outra pessoa pra andar comigo pelo museu. a memória da sua gentileza me faz querer chorar. você para e pensa sobre essas coisas? os segredos que a gente guardava dos outros. os refúgios que a gente encontrava uma na outra. você era a esperança que eu tinha de ter amizades de infância. eu sei. você ainda tem as suas.

eu acho que seus confortos são ilusões. eu escondi todas as nossas fotos. você é uma ferida aberta. eu ressinto todas as minhas ofertas de paz que você aceitou de mau grado. eu não sei quem é a maioria das pessoas com você nas fotos e detesto quem eu reconheço com cada fibra do meu corpo. eu não pretendo te mandar uma mensagem de feliz aniversário de novo. eu às vezes imagino nós duas jantando juntas, com a nossa idade de agora. eu fugiria de você se te visse na rua. eu ressinto o fato da sua política ter esfriado. eu guardo sua carta pra mim numa caixa bem do lado da minha cama. 

mais do que qualquer coisa, eu espero que tenha valido a pena.


23.7.22

Caixa de entrada

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 Querido X, 

O que tem de novo por aí? Pergunto não tanto por curiosidade de saber, e mais por educação. Do mesmo jeito que você vai ler este e-mail não por curiosidade pela minha vida, mas sim por educação. Que péssima introdução. Eu sei. Mas é verdade. Minha vida é completamente diferente do que era quando nos vimos pela última vez. E parece que faz tão pouco tempo, mas não faz. Não importa, também, quanto tempo faz. As coisas vão acontecendo sem se importar se estão num ritmo apropriado ou não. Tem aquela música do Parachute que diz que o tempo não te avisa quando está indo embora, você só olha e de repente ele já foi. Fazer o que? De qualquer forma, essa é a minha vida agora.

Às vezes eu ainda não acredito que as pessoas gostem de mim. Não no sentido de duvidar, mas no sentido de não acreditar na própria sorte. Tem noites em que eu volto pra casa com a sensação de estar enganando todo mundo, querendo pedir desculpa por tudo, mesmo sabendo que quem eu sou agora é a pessoa mais Eu que eu já fui na vida. Isso fez sentido? Enfim. O fato é que na verdade não estou enganando ninguém, e as pessoas gostam de mim mesmo assim. As pessoas me conhecem de verdade. Isso me faz ter arrepios às vezes. Do tipo bom. As pessoas me conhecem porque gostam de mim e prestaram atenção o suficiente para entender quem eu sou. Eu vou me conhecendo assim, também. Num comentário de alguém que sabe que eu odeio competições simplesmente porque odeio perder. Na observação de uma amiga que sabe o tom de voz que eu uso quando estou fazendo uma concessão que não me deixa exatamente feliz. Na piada sobre uma história que não me traz muito orgulho, mas é bem recebida mesmo assim. No comentário de que eu levo susto até dormindo.

Eu acordo todo dia e ainda sinto a dificuldade estranha de levantar da cama, essa falta de preparo pra lidar com o horror do mundo, mas aí eu escuto um barulho na cozinha e sinto vontade de ir tomar café com a pessoa que está lá. Eu suspiro na frente do espelho por um motivo ou outro antes de sair de casa mas aí lembro que tem gente esperando me ver. Esperando ME ver. Que está contando com a minha presença e se sentirá pelo menos um pouquinho desapontado se eu não aparecer. Nós precisamos tanto uns dos outros. É assustador. 

 Uma consequência engraçada de amar tanto as pessoas é que às vezes elas se confundem pra mim. Tem momentos em que eu não tenho certeza se falei de determinado assunto com esse ou aquele amigo, que eu não lembro exatamente quem estava presente em determinada ocasião porque eu só lembro mesmo da presença do carinho.

A verdade é que eu tenho percebido cada vez mais que eu posso ser literalmente quem eu quiser. E a parte mais bizarra (e por bizarra eu quero dizer mágica) é que eu tenho notado que eu só quero ser eu. Eu apareço exatamente do jeito que eu sou, como uma oferta, as pessoas aceitam. E elas continuam aceitando. Eu continuo sendo assim. Você ainda aceita? Sim. 

Acho que eu estou começando a aceitar também. 

Não mais a mesma, 

L.

10.12.21

Eu que escrevi isso?

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Eu enlouqueci, sozinha nessa casa cheia de cantos. Fingindo olhar pela janela mas na verdade olhando pra sombra no canto de olho que eu sabia que era sua. 

Esse gelo selvagem, esse lago congelado que não me aguenta. Que não me deve nada. Falta comprometimento da parte do inverno pra congelar tudo direito. 

O que eu faço com esses barris de pólvora no meu peito? Eu tenho medo de ligar a TV e a faísca do seu rosto mandar tudo pelos ares. 

Estou tentando te amar menos. Mas você ainda está aqui, se escondendo pelos cantos, me observando assistir o pão crescer no forno, ventando nas minhas cortinas. 

Estou perdendo a cabeça. Eu era criança quando comecei a te adorar. Ainda não achei a saída do jardim em decomposição da infância. 

Você sabe sumir? Eu esqueci o que ia dizer. Não sei o que fazer com as minhas mãos. Você é o pior dos fantasmas. 

(28 de março, 2021)

E aí?

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É meio bizarro pensar no tanto de coisa que a gente faz em uns poucos dias. Não tinha parado pra pensar, mas até quando eu sinto que não estou fazendo nada eu estou em movimento. 

Li um livro inteiro em uns 2 dias
era bem triste.
O nome da protagonista era Júlia e
me doeu mais do que teria doído
se o nome dela não fosse o de alguém que eu amo. 

Comecei uma ou duas séries de TV novas e assisti muitos
muitos
episódios das que eu já estava assitindo antes. 

Percebi que agora o jeito que eu me sinto sobre os meus ídolos não me sufoca mais tanto, 
então agora eu me pergunto se estou fazendo errado. 
Não gosto de ninguém na timeline da minha segunda conta. 

Ganhei uma vaquinha de pelúcia. 

Percebi que não tenho noção nem de tempo e nem de espaço.

Perdi uns 3 prazos. Não contei pra ninguém. 

Agora meu quarto tem cortina. 

Debati comigo mesma se deveria ou não repintar um porta-retrato no qual eu desenhei quando era criança. Eu não estaria traindo ela? Mas ela é você. Sim, mas isso não seria dizer pra ela que o que ela desenhou não é bom o suficiente?

Voltei pra faculdade. Em casa, ainda. Odeio tudo. Não consigo ler nada que eu preciso e tudo demanda um esforço sobrehumano de mim. Preciso ir no médico. 

As carteirinhas novas do plano chegaram. Que engraçado. Agora eu tenho o mesmo plano que a Júlia. 

O Natal vai ser um saco. Não faço ideia do que vai rolar no ano novo. Tudo é um sacrifício -- fazer uma escolha significa sacrificar a outra. Como as pessoas não se sentem paralizadas frente a qualquer decisão? 

Estou comendo demais. Mas a vida é tão curta pra pensar assim. Mas isso vai ter uma consequência também. 

Não tenho nada pra falar na terapia, mas não me sinto bem. Não me sinto bem. Preciso ir no médico. 

Consegui consertar o erro de paginação do blog, depois de meses. Talvez eu ainda seja um pouco esperta, sei lá. Não contei pra ninguém. Não tinha pra quem contar. 

Não tinha pra quem contar. 

Tirei uma pilha de roupa do armário. Não quero mais, e só ocupa espaço. Percebi que me sinto assim sobre um monte de gente. É mais difícil esvazear esse tipo de armário. 

Descobri por que não consigo ler o livro que comecei há uns 2 meses. É a tradução. E agora? 

Tudo que eu faço é por obrigação. Não acredito em nada do que eu me comprometi a fazer. Mas descobri que ficar é uma escolha que eu fiz. O jeito então é encarar. 

É difícil focar nos meus textos sobre teoria tradutória quando o mundo tá acabando. Você me ouviu? O mundo tá acabando. Você está na Terra. Não tem cura pra isso. 

Tive uma ideia pra um conto de Natal. Não consigo escrever. Comecei, mas e agora? O tempo tá acabando. Mas eu só sei disso meio por cima, porque não consigo perceber. 

Comecei a ler Gen - Pés Descalços. Acho que não devia. Vai acabar comigo. Isso é ser muito frufru? 

Existem tantas possibilidades. Não tenho força de vontade pra perseguir nenhuma. 

Quanto tempo demora até que alguém que te conhecia não te conheça mais? Quanta coisa você tem que fazer longe dessa pessoa? 

E se eu não for especial? 

Eu sou uma gaiola de novo? Meu Deus. Eu sou uma gaiola de novo? 

Vou lá lavar a louça.


19.10.21

Simbiose

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 Por onde eu começo?

Eu poderia fazer um compilado de frases aqui que talvez ilustrem melhor o que eu quero dizer. Sobre quem eu quero falar. É engraçado como as palavras dos outros às vezes cabem tão bem em situações que são nossas. Eu gosto muito de usar as palavras dos outros, mas me ocorreu que, se elas servem tão bem pra mim, provavelmente serviram ainda melhor pros donos originais. Então eu vou usar as minhas próprias palavras o máximo que puder hoje, e vou pegar emprestado dos outros só de vez em quando.

Tudo que eu escrevo ultimamente que não é uma narrativa soa como uma carta. Ou um e-mail. Isso porque, se eu não estou escrevendo histórias, estou escrevendo pra alguém. Não um alguém geral, mas um alguém específico. E quando eu estou escrevendo histórias, estou escrevendo pra esse alguém também.

Ultimamente (há quase um ano), quando eu estou escrevendo, eu estou escrevendo pra Júlia. 

Eu li em algum lugar (eu sei exatamente onde, mas não consigo achar, então vou deixar vago) que as dedicatórias são as melhores partes dos livros. Você escreve algo pra uma audiência de milhares, mas na realidade cada palavra é pra essa pessoa específica.

Já pensei muito em pra quem eu vou dedicar meus livros (no plural? que ousado!), mas nesses últimos tempos tem se tornado bem óbvio que tudo que eu escrevo é pra Júlia. De um jeito ou de outro. 

Não escrevo em blog nenhum há meses porque tenho escrito outras coisas. Histórias, principalmente, coisa que eu achava que não conseguia mais fazer já há uns 5 anos. Aparentemente consigo sim, só me faltava coragem, ideia, e, principalmente, quem me lesse. Do jeito certo. De algum jeito que me faça sentir encorajada. Aí veio a Júlia e trouxe tudo isso junto. Então agora eu voltei a escrever. As histórias na minha cabeça têm pra onde ir. 

Acho que não tem presente melhor. 

Eu falo muito, sobre muita coisa, com a Júlia. Ela é minha leitora favorita de muitos jeitos. Pra muitas coisas. Capítulos novos, piadinhas sem graça, relatos sobre meus dias de estresse ou sobre o que eu comi no almoço. Acho que eu não me sentiria bem-vinda falando tanto com mais ninguém. 

Sem a Júlia, quem eu seria? Quem eu era? Amar alguém te faz se perguntar. 


I hate to make this all about me, but who am I supposed to talk to, what am I supposed to do, if there’s no you?


Às vezes as coisas são difíceis pra Júlia. Às vezes eu passo alguns dias sem saber dela, e eu não a culpo por isso, mas sinto a falta dela. O que, sinceramente, não é da sua conta, Júlia, você já tem muito com o que se preocupar. Mas, quando eu sinto falta da Júlia, eu tento tratar o mundo todo como eu a trato. Aquela frase de Uma Vida Pequena. “E então eu tento ser gentil com tudo que eu vejo e, em tudo que eu vejo, eu vejo ele”. Acho que esse tipo de amor, que te faz querer ser bom com o mundo inteiro porque ele é a casa de alguém que você ama, e porque ele te deu essa pessoa, é algo pro qual ninguém está realmente preparado. Mas que é muito fácil de aceitar, quando aparece. 


Aí você pode se perguntar “nossa, mas é assim mesmo que você fala da Júlia o tempo todo?” e a resposta é sim. Desde sempre. "Ela tudo isso pra você desde quando?" Sinceramente, eu acho que desde que o mundo é mundo, mas nessa vida aqui já tem quase um ano. Você pode perguntar pra alguém, se quiser. 

Na primeira vez que eu falei da Júlia pra minha irmã, ela não sabia quem era. Obviamente. Eu estava ali falando “nossa, a Julinha ia adorar isso”, “eu preciso mostrar isso pra Julinha” etc etc muito entusiasticamente e a minha irmã estava só sorrindo e concordando como se conhecesse a Júlia há muito tempo também. Eventualmente, meu cunhado ficou confuso o suficiente pra perguntar “quem é Julinha?” e aí eu expliquei, mas foi só uma formalidade. Quando alguém significa tanto pra você, as outras pessoas percebem sem você nem precisar explicar muita coisa. 

O céu é azul e a Júlia é amiga da Letícia. Lógico. 


Eu queria que todos os dias da Júlia fossem bons, mas essa é mais uma na lista de coisas que estão fora do meu poder. Então eu faço tudo que eu posso. Eu falo, e eu escrevo, e eu conto piadinhas, e às vezes eu só existo. E ela faz o mesmo do lado de lá. Espero que ela saiba que a simples existência dela já é o suficiente pra esse mundo aqui (o meu) ser melhor.

Espero que a Júlia continue existindo no meu mundo pra sempre. 

Por hoje é isso. 


3.2.21

O inferno são...

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"Tudo bem?"

"Na verdade, sim. Tenho me alimentado bem, bebido muita água, me exercitado e agora tenho obrigações de verdade. Então, você sabe, indo bem."

"Então qual o problema?"

"Os outros."

"Elabore."

"A dor dos outros."

"Te incomoda?"

"Não me deixa dormir. Eu imagino que os outros estejam sofrendo, então eu sofro."

"Alguém te disse que estava sofrendo?"

"Na verdade não. Mas é o tipo de coisa que eu sinto. Que nem algumas pessoas conseguem sentir cheiro de barata, eu consigo sentir quando tem alguém sofrendo."

"E quem está sofrendo?"

"Todo mundo? Em algum grau. Minha mãe, mais que tudo."

"O que há com ela?"

"Trabalho. Acho que ela pensa que trabalhar é a única coisa que torna uma pessoa digna, então ela deixa se consumir. Ela está tentando, mas eu não sei..."

"E por que isso te diz respeito?"

"É uma boa pergunta. Eu não sei. Mas eu sinto que é minha responsabilidade melhorar as coisas. Ou pelo menos não piorar. Mesmo que isso me custe caro."

"Não deve sair barato, mesmo."

"É, mas tem que ser feito. Alguém tem que fazer. Se não for eu, quem?"

"Seu pai?"

"Não acho que meu pai saiba como. Ele não sente o cheiro. Ele também sofre."

"E o que acontece?"

"Os dois estão cansados. E com dor. O tempo todo. E eu sou obrigada a assistir."

"Por que você não olha pra outro lugar?"

"O que isso diria sobre mim?"

"Que você tem algum senso de autopreservação."

"Seria mentira."

"Então você não pode ser feliz?"

"Não em voz alta. Mas em voz baixa, na verdade eu também acho que não sou. Não de verdade."

"O que te falta?"


"Os outros."

21.12.20

Autonomia corporal.

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E se eu for só
um monte de ruínas que assumiu forma corpórea?
E se eu nunca aprender a não punir as pessoas por me amarem? Essa parece ser a única coisa na qual eu realmente sou boa. 
É tão fácil me enganar às vezes. Eu queria não ter construído uma vida ao redor da crença de que amor e atenção são a mesma coisa, mas não tenho certeza se cachorros velhos aprendem novos truques, então acho que agora eu vou ser assim pra sempre. 
Eu sou Midas ao contrário, e tudo que eu toco apodrece. E eu sou tão cuidadosa. Por favor não me deem plantas de presente - eu não tenho mais estômago pra cuidar tanto de alguma coisa e assistir ela morrer mesmo assim. Sol, água, palavras gentis. Eu não sei quando parar, eu nunca sei quando as coisas estão passando do limite. 
Eu meço tudo que eu digo três vezes. Eu guardo minha raiva só pra mim. Eu não choro na frente dos meus pais. Eu escolho cada palavra como alguém escolhe joias. 
Minhas mãos querem tocar, e aprender, e tentar, mas eu sinto tanta dor o tempo todo. Eu vivo embaixo do peso de tanta vergonha. De quê? De ocupar espaço no mundo. Por menor que seja.
Nada funciona pra mim por muito tempo. Eu acho que eu canso. Os outros, quero dizer. Eu canso os outros. As pessoas que dividiam barras de chocolate só comigo, escondidas de qualquer outra alma, hoje não dispensam mais muito tempo do dia pra mim. 
Às vezes eu acho que estou indo bem, mas às vezes eu quase choro por não conseguir dobrar papel de presente, e meu pai tem que encontrar outro jeito de me ensinar. E o Universo tem que encontrar novas maneiras de me ensinar a mesma lição.
E eu estou tão cansada de sentir as coisas sozinha. As promessas de que um dia isso vai mudar já não funcionam bem comigo. Eu não sei se consigo encontrar em mim alguém que saiba amar outra pessoa de um jeito que não faça ela querer ir embora. Que não faça ela esquecer da minha existência nos lábios de outra no primeiro sinal de problema, e que nem tenha coragem de me contar depois. 
Eu sou melhor em retrospecto. As pessoas esquecem o porquê de terem me deixado, e é tudo ótimo quando você me olha de longe. Mas normalmente elas demoram poucos meses pra se lembrarem. E aí o que me sobra é mais uma história que eu não gosto de contar. Acho que fico melhor vista do retrovisor.
Talvez minha vergonha espirre nos outros. Eu adoraria que partes melhores de mim respingassem nas pessoas que me cercam, mas eu acho que esse não é o tipo de coisa que se escolhe.
Acho que chega.

15.12.20

As cartas que eu não mando.

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Bo, 

Eu sinto que você não faz ideia do tamanho do medo que eu sinto de você. Não de você especificamente. Droga. Você sabe o quanto eu sou ruim em me expressar. Me dê um segundo.

Eu sou absolutamente aterrorizado pelo que eu sinto por você. E é ridículo, Bo. É tão ridículo. Eu tremo dos pés à cabeça só de te ver trocando as plantas de lugar na calçada, coberta de terra até os cotovelos, suando bicas. Eu me sinto imbecil só de escrever isso. 

E eu não sou assim, Bo, eu nunca fui. Eu não hesito antes de apertar a campainha, eu não fico tentando diferenciar um ataque cardíaco de nervosismo, eu não gaguejo o tempo inteiro e eu definitivamente não escrevo cartas. Eu não tenho nem papel pautado. 

Mas aí eu te vejo parada apoiada na porta da loja e eu preciso me esconder no banheiro porque eu morro de medo. É que nem um repelente, você. Me desculpe por te chamar de repelente. Na realidade eu me sinto muito atraído por você. É por isso que eu fujo... (???)

Eu tenho medo de te afastar, é isso. Que o fato de eu estar por perto, e ser eu, te faça ir embora. Então, sei lá. Prefiro te ver de longe do que não te ver mais. 

E eu - eu gostaria de não hesitar quando você oferece a mão pra mim. Eu gostaria de não procurar em cada canto do meu cérebro uma desculpa para não ir à padaria dos Choi com você no final da tarde. Mas eu não consigo, Bo, eu fico tão assustado.

Não é culpa sua. Você é um sol tão brilhante; eu não sei por que me sinto congelado. Só de pensar em te fazer sorrir, te ver rir por minha causa, Bo... sei lá. É demais pra mim. E mesmo assim eu quero, quero e quero. Me diga como parar de querer. Por favor.

Por favor. 

Absurdamente apavorado,
Chris.

27.9.20

Landslide.

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São 2:30 da manhã
e eu tenho trabalho amanhã 
e a vida inteira pela frente
mas agora eu
estou tentando lidar com o fato do meu aniversário ser em 3 dias.
Meu dia favorito do ano tem me aterrorizado há semanas. 
Eu não tenho mais meus sisos.
Eu não tenho mais tanta coisa. 
Agora eu tenho cicatrizes nos cantos da boca,
e medo em 
            todo lugar.
Essa idade poética, 
essa idade que eu não vivi,
que eu não pude aproveitar
E agora querem me colocar atrás de um volante. Pelo amor de Deus.
Tudo me apavora. 
Você me acha corajosa? Você me conhece?
Eu falo demais, eu falo que nem criança, porque eu deixei de ser criança aos 11 anos e de vez em quando os anos que eu perdi ainda aparecem na minha voz. Minhas mágoas são as mágoas de uma criança. Eu me ouvia na terapia e achava absurdo.
Não me deveriam permitir fazer 18 anos.
Eu preciso de mais tempo, mas eu estou segurando uma ampulheta quebrada numa mão aberta, e eu consigo ouvir
            o tempo indo embora.
Tenho essa habilidade já há quase um ano.
Então, meu aniversário tá quase aí.
O que eu vou fazer com essa farsa agora?
Mãe, eu posso parar o tempo?
Mãe, eu posso dormir no seu quarto?
Pai, qual é o pedal do freio?
Pai, eu esqueci os detalhes do mito do minotauro.
Mãe, eu estou com dor
        onde
Em todo lugar em todo lugar em todo lugar
Mãe eu sou muito pequena.
Mãe eu não quero ir ao treino de vôlei hoje, vem me buscar na hora do almoço.
Pai a minha gaveta desmontou. 
Pai eu também sou triste. 
Mãe, 
    e agora?

9.9.20

Um bilhete assinado com te amo.

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Eu teria feito tanta coisa por você. 
Se você não tivesse esse seu medo absurdo do amor, eu teria te dado todo o meu.
Você já tinha tanto dele, mesmo. Juntou desde a primeira vez que eu te dirigi a palavra. Quarta-feira. O único sorriso que eu dei o dia todo foi pra você.
A única pessoa no mundo para a qual eu nunca tive medo de pedir perdão. E continuar pedindo até você aceitar, porque eu me recusava (ainda me recuso) a viver num mundo onde você fecha a cara pra mim. E você a única pessoa que já me pediu perdão. Porque você se recusava a viver num mundo onde eu não me sentava ao seu lado em toda aula. Todo restaurante. Todo banco.
E sério... o que é o amor além de perdão?
Eu teria feito tanta coisa por você.
Eu teria escrito livros inteiros sobre a madrugada de 1º de Dezembro. Sobre as suas mãos. As nossas mãos.
Eu teria aprendido qualquer jogo de tabuleiro que você quisesse jogar. E isso é muito, porque eu não sou boa em quase nenhum e odeio perder. Mas estaria tudo bem, porque mesmo quando eu perdia pra você eu ganhava. Meus troféus eram na forma da sua alegria. Sempre foram. 
Eu não estava preparada pra te ver arrumar as malas e ir embora da cidade antes de mim. Depois que você foi eu perdi o medo de ir porque então realmente não tinha mais nada pra mim aqui.
Eu morro de orgulho de você, mas eu sinto sua falta o tempo todo.
2 anos te vendo todo dia foram muito pouco. Uma noite dos seus beijos foi muito pouco.
Volta aqui e me conta a história mais absurda que você tiver. Transforma meus pesadelos em risadas. Me deixa usar seu boné. Dança comigo, divide um fone de ouvido. Assiste um filme de animação daqueles muito, muito bons, e ri das minhas imitações dos personagens. Me mostra onde é o meu lugar, me faz ir embora de qualquer um que não seja. Me elogia do jeito que só você sabe pra me fazer rir. Me faz rir. Ninguém mais sabe como. 
Eu odeio viver em um mundo onde eu não tenho certeza se você vai lembrar do meu aniversário. 

I can't explain the state that I'm in
The state of my heart,
He was my best friend.

3.9.20

Mirrorball.

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Estou pensando já há algum tempo em como te dizer isso, então acho que agora,
a este ponto, eu vou só dizer
de uma vez que 
eu faria qualquer coisa por você.
Eu tenho feito há muito tempo,
e cada vez mais eu me surpreendo com
a lonjura que eu vou
pra te agradar. 
Querer tanto agradar que desagrada 
é um defeito. Eu sei. O que eu posso fazer? 
Me diga e eu farei. Isso vai te fazer gostar
de mim?
"Você tem ------?"
Não, mas eu vou encontrar pra você.
Eu vou vasculhar cada canto da casa, da internet e de mim, 
pra te entregar o que quer que seja.
E eu vou fazer parecer que eu sempre tive. 
Sim, este arquivo já estava baixado. Sim, eu já tinha esse link. Sim, eu tenho outra caneta. Sim, eu sempre fui engraçada assim. Eu não estou
me esforçando com tudo o que eu tenho
nem nada do tipo.
Você quer meu último chiclete? 
Quer que eu te dê carona? 
O que você quer que eu te traga da viagem? 
Você odeia o seu aniversário, mas eu vou
arrumar um jeito de te dar um presente 
que você vai gostar de ganhar.
Desculpe por não poder ir à sua festa, mas eu vou
mandar flores no meu lugar
e eu espero que elas emulem minha presença 
melhor do que eu.
Você quer passar a noite toda acordado? 
Quer que eu espere até de madrugada? 
Não tem problema, eu estou acostumada a 
ficar doente de sono. 
Eu já não me assusto mais com a cor das minhas mãos ou o dragão em fúria no meu estômago quando eu perco o apetite.
"Você emagreceu de tristeza?"
É impressão sua. 

Pra quem é esse texto?
Pra qualquer um. Pra todo mundo.
O que é que todo mundo precisa? 
Eu vou dar um jeito de ter.

(sept. 2020)