23.7.22

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 Querido X, 

O que tem de novo por aí? Pergunto não tanto por curiosidade de saber, e mais por educação. Do mesmo jeito que você vai ler este e-mail não por curiosidade pela minha vida, mas sim por educação. Que péssima introdução. Eu sei. Mas é verdade. Minha vida é completamente diferente do que era quando nos vimos pela última vez. E parece que faz tão pouco tempo, mas não faz. Não importa, também, quanto tempo faz. As coisas vão acontecendo sem se importar se estão num ritmo apropriado ou não. Tem aquela música do Parachute que diz que o tempo não te avisa quando está indo embora, você só olha e de repente ele já foi. Fazer o que? De qualquer forma, essa é a minha vida agora.

Às vezes eu ainda não acredito que as pessoas gostem de mim. Não no sentido de duvidar, mas no sentido de não acreditar na própria sorte. Tem noites em que eu volto pra casa com a sensação de estar enganando todo mundo, querendo pedir desculpa por tudo, mesmo sabendo que quem eu sou agora é a pessoa mais Eu que eu já fui na vida. Isso fez sentido? Enfim. O fato é que na verdade não estou enganando ninguém, e as pessoas gostam de mim mesmo assim. As pessoas me conhecem de verdade. Isso me faz ter arrepios às vezes. Do tipo bom. As pessoas me conhecem porque gostam de mim e prestaram atenção o suficiente para entender quem eu sou. Eu vou me conhecendo assim, também. Num comentário de alguém que sabe que eu odeio competições simplesmente porque odeio perder. Na observação de uma amiga que sabe o tom de voz que eu uso quando estou fazendo uma concessão que não me deixa exatamente feliz. Na piada sobre uma história que não me traz muito orgulho, mas é bem recebida mesmo assim. No comentário de que eu levo susto até dormindo.

Eu acordo todo dia e ainda sinto a dificuldade estranha de levantar da cama, essa falta de preparo pra lidar com o horror do mundo, mas aí eu escuto um barulho na cozinha e sinto vontade de ir tomar café com a pessoa que está lá. Eu suspiro na frente do espelho por um motivo ou outro antes de sair de casa mas aí lembro que tem gente esperando me ver. Esperando ME ver. Que está contando com a minha presença e se sentirá pelo menos um pouquinho desapontado se eu não aparecer. Nós precisamos tanto uns dos outros. É assustador. 

 Uma consequência engraçada de amar tanto as pessoas é que às vezes elas se confundem pra mim. Tem momentos em que eu não tenho certeza se falei de determinado assunto com esse ou aquele amigo, que eu não lembro exatamente quem estava presente em determinada ocasião porque eu só lembro mesmo da presença do carinho.

A verdade é que eu tenho percebido cada vez mais que eu posso ser literalmente quem eu quiser. E a parte mais bizarra (e por bizarra eu quero dizer mágica) é que eu tenho notado que eu só quero ser eu. Eu apareço exatamente do jeito que eu sou, como uma oferta, as pessoas aceitam. E elas continuam aceitando. Eu continuo sendo assim. Você ainda aceita? Sim. 

Acho que eu estou começando a aceitar também. 

Não mais a mesma, 

L.

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